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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Paciente pode decidir se quer ser tratado em estado terminal-"testamento vital"

Estadão

Resolução do CFM diz que a vontade expressa verbalmente pelo doente deve ser registrada em prontuário e cumprida.

DÉBORA BERGAMASCO / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo


A partir de hoje, qualquer pessoa plenamente lúcida, saudável ou não, e maior de 18 anos poderá declarar ao seu médico se, em caso de doença terminal e irreversível, optará pela morte natural ou vai querer que sejam adotadas medidas extremas, dolorosas e extenuantes para mantê-la viva por mais tempo. Até agora, a decisão cabia à família e não ao doente, especialmente em caso de impossibilidade de comunicação ou demência senil. O paciente também poderá designar ao médico um representante para comunicar a decisão.





Esse procedimento é chamado de "testamento vital" ou "diretiva antecipada de vontade" e passa a valer com a publicação hoje, no Diário Oficial, de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). O texto diz que, para ser válida, basta que a vontade do paciente conste em seu prontuário médico, sem necessitar de assinatura, registro em cartório ou testemunhas.



A decisão é facultativa e pode ser revogada a qualquer momento, mas só a pedido do próprio paciente. Ciente de que dúvidas e polêmicas virão por aí, o presidente do CFM, Roberto D'Avila, fez questão de explicar que "em hipótese alguma a vida do paciente será abreviada e a eutanásia continua proibida".



Ele afirma que o médico continuará obrigado a fazer tudo o que for possível para curar o doente. A fim de se explicar, ele deu o exemplo de seu próprio pai, que morreu em 1990. "Ele tinha um câncer já impossível de ser curado, estava muito fraco e pediu para que não fosse entubado nem internado na UTI. Ele escolheu esperar pela morte em casa, cercado pelos filhos e netos, sem tomar mais a quimioterapia que só lhe causava desconforto e não poderia curá-lo. Pediu para que, se seu coração parasse, ninguém tentasse reanimá-lo e o deixássemos partir em paz. Respeitamos a decisão dele."



Outros países já adotam esse tipo de diretiva antecipada, como EUA, Espanha, Holanda, Argentina e Portugal.



Especialistas em cuidados paliativos consideram a nova norma uma evolução. Para Pedro Caruso, diretor de UTI do Hospital A.C. Camargo, o País está em um limbo jurídico no que se refere ao tema. "Não há um arcabouço legal para a decisão. Embora não exista lei, a situação se apresenta todos os dias nos hospitais." Para ele, o fato de o paciente não precisar deixar por escrito sua posição é positivo. "É uma decisão muito difícil e um momento delicado. Não precisa burocratizar e impor mais sofrimento."



A médica Ana Paula de Oliveira Ramos, responsável pelo Setor de Medicina Paliativa da Unifesp, enfatiza a importância de o assunto ser abordado o quanto antes, o que nem sempre ocorre. "Enquanto o paciente está bem, é mais fácil falar sobre o assunto. Se está mal e o tema vem à tona, já surge a associação de que ele está morrendo."



Dúvidas. O testamento vital só poderá ser aplicado quando houver uma doença do tipo crônica degenerativa, como câncer, Alzheimer, Parkinson ou algo que coloque o paciente em estado vegetativo. Com a figura do médico de família cada vez mais rara, para que não se corra o risco de a informação não chegar ao profissional que comanda o tratamento, a sugestão de D'Avila é que se "comunique a decisão a todos os médicos pelos quais passar".



E se a família desconhecer a decisão e duvidar da anotação no prontuário, pensando que se trata de uma medida para reduzir custos? "Deve prevalecer a relação de confiança entre médico e paciente. Os procedimentos adotados pelos médicos não são submetidos a nenhum interesse de operadoras ou hospitais." / COLABOROU MARIANA LENHARO