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domingo, 19 de agosto de 2012

Conselho de medicina de São Paulo permite 'empréstimo' de útero

Mulheres que não podem engravidar por razões médicas estão tomando "emprestados" úteros de outras não parentes para ter seus filhos.




Por resolução do Conselho Federal de Medicina, só parentes de primeiro e segundo graus (mães, irmãs e primas) do casal podem ceder, de forma altruística, o útero.



Mas, nos últimos meses, o Cremesp (conselho de medicina paulista) vem autorizando que mulheres não parentes (como amigas) emprestem suas barrigas, desde que não recebam nada por isso.



Nesse procedimento, o casal faz a fertilização in vitro (FIV) com seus óvulos e espermatozoides e, depois, o embrião é transferido para o útero da mulher que gestará o bebê. Quando a criança nasce, ela é registrada em nome dos pais biológicos.





O Cremesp já autorizou ao menos 15 pedidos de cessão temporária de útero entre não parentes -cinco envolviam casais gays. Outros 16 ainda estão sendo analisados.



São casos de mulheres que nasceram sem útero ou que têm doenças em que a gravidez é desaconselhada.



Segundo o ginecologista Eduardo Motta, que integra um grupo de médicos que analisa os pedidos que chegam ao conselho, 90% dos casos estão sendo aprovados.



"Só negamos quando não há uma razão médica ou quando existe alguma suspeita de que o casal esteja pagando pela cessão do útero."



Mas o próprio conselho médico reconhece que não tem condições de fiscalizar se a mulher é amiga da paciente ou alguém contratada.



ALUGUEL



"A gente confia na palavra do médico e nos documentos que a paciente apresenta. Não temos poder de polícia", diz o conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de bioética da USP.



A Folha tentou entrevistar casais que tiveram autorização para o empréstimo de útero, mas, segundo seus médicos, ninguém quis falar.



Na condição de anonimato, um ginecologista da capital confirma que há aluguel. "Quem acredita que uma pessoa não parente vá carregar um filho na barriga por nove meses só por altruísmo?"



A Folha localizou na internet oito anúncios de mulheres alugando seus úteros a preços que chegam a R$ 200 mil. "50% antes e 50% depois do parto", diz um deles.



Uma delas respondeu a emails enviados pela reportagem, mas disse que "o negócio não vingou".



Segundo a juíza Deborah Ciocci, o aluguel de útero no Brasil é claramente um ato ilícito. O artigo 199 da Constituição proíbe o comércio de tecidos e de substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento.



Nos EUA, a legislação varia conforme o Estado. Na Califórnia e na Flórida, por exemplo, o comércio é permitido. Na Europa, vários países vetam o procedimento.



Alguns casais brasileiros já contrataram barrigas de aluguel nos EUA e na Índia. "É uma temeridade esse comércio. Já desaconselhei paciente que queria ir para a Índia", diz Artur Dzik, que preside a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.



RESPONSABILIDADE



É o médico da paciente que assume a responsabilidade pelas informações prestadas ao Cremesp. São exigidos, entre outros, laudos médicos e psicológicos da mulher que vai gestar e o contrato estabelecendo a filiação do bebê.



"Só aceito o caso se ficar claramente demonstrado que existe uma relação longa de amizade entre o casal e a mulher que vai ceder o útero", afirma Carlos Petta, professor da Unicamp.



Ayer conta que, em um dos casos negados pelo Cremesp, a mulher, casada com americano, pedia autorização para que uma "amiga", moradora no Jardim Ângela (região carente ao sul de São Paulo), emprestasse seu útero.



"Fomos até o endereço do casal e era um hotel. Pedimos explicações ao médico, e todo mundo sumiu."



O ginecologista Arnaldo Cambiaghi considera "perigosa" a cessão de útero sem parentesco. "Quem garante que a mulher que gestou não vá querer ficar com o bebê?".



Deborah Ciocci levanta outros problemas. "E se a criança nascer com uma síndrome grave? Os pais biológicos vão querer? E se a gestante de aluguel tiver complicações na gravidez, quem assume?"